Burocracia, obstáculo a casais de mães Casais de mulheres que fazem a inseminação artificial caseira esbarram na dificuldade de registrar os filhos com dupla maternidade

JORGE COSME

Publicação: 04/07/2025 03:00

Raíssa e Karina (nomes fictícios) aguardam o trânsito em julgado para fazer o registro (CORTESIA)
Raíssa e Karina (nomes fictícios) aguardam o trânsito em julgado para fazer o registro

A professora Raíssa, de 29 anos, não pôde acompanhar sua filha na sala do posto de saúde. Viu sua companheira Karina entrar sozinha com a criança enquanto ela era barrada pela enfermeira. “Isso machuca às vezes, sabe?”, reflete. “Causa um impacto e você fica pensando: ‘Poxa, mas eu também sou mãe’. Se eu tivesse a certidão dela, eu bateria o pé e diria: Não, eu vou entrar. Eu sou mãe”. Moradoras do Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, Raíssa e Karina tiveram uma criança por inseminação artificial caseira – método, sem regulamentação, que é alvo de alertas de autoridades sanitárias por ser realizado fora dos serviços de saúde.

Por falta de lei específica para o procedimento, os cartórios não incluem o nome da mãe não biológica na certidão de nascimento da criança. O cenário obriga o casal a ir à Justiça para conseguir registrar a dupla maternidade. Embora os juízes geralmente autorizem o pedido, a burocracia ainda provoca frustração. “Por que um casal heteronormativo pode chegar lá no cartório e registrar a criança e eu não posso registrar o meu bebê no nome de duas mulheres?”, questiona Raíssa. “Minha filha vai fazer três meses e ela não existe para o estado”.

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a inseminação artificial caseira, em geral, é feita sem assistência profissional. O procedimento envolve a coleta de sêmen de um doador, não remunerado, e a inseminação imediata com uso de seringa ou cateter. “As mulheres que se submetem a esse tipo de procedimento devem estar cientes dos riscos envolvidos nesse tipo de prática”, alerta a agência. 

A pedido dos casais, que temem estigmatização por causa do procedimento adotado, todos os nomes retratados nesta reportagem são fictícios. No caso de Raíssa e Karina, o pedido para registrar a dupla maternidade já tem decisão favorável no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). A solicitação foi feita em 30 de janeiro deste ano. Em 27 de maio, quase quatro meses depois, saiu a autorização. Agora, a família espera o processo transitar em julgado para finalmente poder tirar a documentação da filha, o que só deve ocorrer neste mês.

Decisão semelhante foi publicada em 14 de maio pela 1ª Vara Cível da Comarca de Serra Talhada, do TJPE, no Sertão de Pernambuco, autorizando Emília e Larissa, que são casadas desde 2023, a constarem como mães de Renato. Na sentença, o juiz destaca que o casal tem um projeto parental conjunto e consentido. Ao procurar por inseminação artificial em clínica, o casal avaliou que o procedimento tinha alto custo. Uma clínica reprodutiva, localizada no Centro do Recife, cobra R$ 14 mil pelo procedimento.

Emília passou a participar de grupos no Facebook sobre inseminação caseira. No caso delas, o único gasto foi a gasolina da moto do doador, que morava em uma cidade próxima. “O doador está fazendo isso porque quer ajudar uma família. Não é para fins lucrativos”, afirma Larissa. O pedido de registro civil da criança foi feito ainda durante a gestação. A decisão saiu 15 dias antes de o menino nascer. A certidão estava pronta quando Renato tinha dois dias de vida.