Um casamento revolucionário Após um longo namoro secreto, a união de Domingos e Maria Teodora foi comemorada nas ruas como uma vitória dos apaixonados e do povo brasileiro

Paulo Santos de Oliveira

Publicação: 04/03/2017 09:00

 (Greg/DP)

O comerciante Domingos José Martins gostava de girar pelo mundo. Nascido no Espírito Santo, ele já vivera na Bahia, em Portugal e na Inglaterra. Contudo, após visitar Pernambuco, em 1813, para abrir uma filial da sua empresa, se mudara para cá “de mala e cuia”, por dois motivos. O primeiro, porque encontrara aqui - uma capitania rica, bem povoada e habitada por um povo secularmente inimigo dos portugueses - o terreno ideal para cultivar suas ideias revolucionárias. O segundo, porque conhecera a jovem Maria Teodora da Costa. E se apaixonara.

Entretanto, a moça era filha de um português muito rico, que preferia vê-la casada com um simples caixeiro de loja, mas europeu de nascimento, do que com qualquer mazombo (brasileiro) - ou seja, alguém de qualidade inferior, na classificação social da época. Seria preciso uma revolução, para derrubar este preconceito, e ela realmente foi feita, no dia seis de março de 1817. E já no dia 14 o casal estava se unindo, numa cerimônia realizada na capela de Nossa Senhora das Graças, -  hoje, no Sítio da Jaqueira - sendo depois muito comemorada numa grande festa popular no Largo do Erário - hoje, Praça da República.

Esse casamento foi triplamente revolucionário, na medida em que derrotou o preconceito dos portugueses contra os brasileiros, além de ajudar a apaziguar a rixa entre esses povos, que estavam em clima de guerra civil, em Pernambuco. E ainda deu força aos casais apaixonados.

Maracatus são liberados e desfilam pelas ruas do Recife, de Jessica Martins, mês de julho da Cepe. Obra O bloqueio do Porto do Recife pela marinha portuguesa, de Roberto Ploeg, mês de setembro (Cepe/Divulgacao)
Maracatus são liberados e desfilam pelas ruas do Recife, de Jessica Martins, mês de julho da Cepe. Obra O bloqueio do Porto do Recife pela marinha portuguesa, de Roberto Ploeg, mês de setembro

Exemplo para os dias de hoje

Os patriotas de 1817 não foram “empreiteiros de revoluções”, nas palavras de alguém da época. Não agiram como os profissionais da política para os quais os fins justificam os meios. Eles prenderam pouquíssimos adversários e não executaram ninguém durante o seu governo - muito ao contrário do que os portugueses fizeram com eles, adiante. Em meio a uma guerra, respeitaram os princípios da Declaração dos Direitos Humanos, que era muito recente. E deram lições de republicanismo.

No dia 19 de maio, por exemplo, o que restou do exército pernambucano retirou-se do Recife, para seguir com a luta no interior. À noite, porém, acampados no Engenho Paulista, seus líderes concluíram que era impossível continuar e dispersaram a tropa. Mas, antes disso, destacaram alguns voluntários para devolver os cofres com o dinheiro público que haviam levado.

Chegando ao Recife, um oficial português perguntou por que eles não haviam repartido o dinheiro entre si e fugido. E a resposta foi: “Porque nós vamos entrar para a História como revolucionários, não como ladrões!”.