Um governo eficiente e popular Pela primeira vez no Brasil houve total liberdade de pensamento, de opinião e de imprensa. Foi feita uma mudança radical na legislação tributária, beneficiando os mais pobres

Paulo Santos de Oliveira

Publicação: 04/03/2017 09:00

Ao tomar conhecimento do que estava acontecendo na Artilharia, o povo pobre do Recife, que vivia no bairro de Santo Antônio, acorreu ao quartel para apoiar os revoltosos. Depois, cruzou o Capibaribe para enfrentar os portugueses, que viviam no bairro do Recife, enquanto o governador Caetano Pinto fugia do Palácio e se refugiava no Forte do Brum, com algumas tropas.

No dia seguinte, os pernambucanos cercaram o Brum e Caetano capitulou, em troca da promessa de ser despachado com os seus oficiais para o Rio de Janeiro, onde estava o príncipe D. João e a corte portuguesa. Os líderes revolucionários reuniram-se, então, no antigo prédio do Erário - os restos do antigo Palácio das Torres, de Maurício de Nassau, que ficava onde hoje está o Palácio do Campo das Princesas - e lá formaram o primeiro governo livre do povo brasileiro.

O sentimento democrático dos patriotas de 1817 começou a se manifestar desde cedo. O governo era colegiado, para que ninguém quisesse se arvorar em ditador. Cinco membros o formavam: o padre João Ribeiro, o senhor de engenho Manoel Correia de Araújo, o jurista José Luiz Mendonça, o capitão Domingos Teotônio Jorge e o comerciante Domingos José Martins. Já a secretaria, que tocaria o dia a dia da administração, ficou a cargo de três homens de batina, os mais cultos e preparados: Padre Miguelinho, Vigário Tenório e Frei Caneca.

As medidas tomadas por essa junta, no seu curto período de duração, foram muito eficazes e populares. Pela primeira vez no Brasil houve total liberdade de pensamento, de opinião e de imprensa. Foi feita uma mudança radical na legislação tributária, com a extinção ou redução de vários impostos, principalmente os que recaíam sobre os mais pobres. O monopólio comercial dos portugueses foi derrubado e o preço dos alimentos caiu. Também foi criada a primeira polícia brasileira - aliás, muito eficiente -, assim como exército, marinha, e um projeto de constituição. E, ainda, a primeira bandeira nacional, que era azul e branca e ostentava um sol, um arco-íris, uma cruz e três estrelas. Essas representavam as repúblicas de Pernambuco, a Paraíba e o Rio Grande do Norte que, juntas, formaram uma confederação. E na medida em que outras províncias se agregassem, novas estrelas seriam acrescentadas.

A escravidão não foi abolida porque não havia condições para tal. Como dissera o padre Antônio Vieira, 150 anos atrás: “Sem negros não há Pernambuco”, e toda a mão de obra continuava sendo importada da África. Mesmo assim, os cativos que quisessem se alistar no exército foram declarados livres, no primeiro ato abolicionista decretado no Brasil. E o povo comemorou a valer essas conquistas.

Os maracatus, então proibidos, foram liberados, e o governo provisório também promoveu duas grandes festas populares. A primeira delas, no dia 14 de março, foi em comemoração ao casamento do governador Domingos Martins com a jovem Maria Teodora da Costa, filha de um português muito rico. A segunda foi a bênção pública da bandeira revolucionária. Mas o que é bom costuma durar pouco, e as dificuldades não demoraram a surgir.

Perfil

A serviço da história

Paulo Santos de Oliveira é jornalista e escritor. Seu romance de estreia foi A noiva da revolução, sobre 1817,  que está para virar filme, nas mãos da cineasta Tizuka Yamazaki. Lançou, ainda, O general das massas, sobre Abreu e Lima, premiado pela Academia Pernambucana de Letras. Coordena o projeto Pernambuco Libertário, desenvolvido pela Associação Centro Vivo Recife, que visa a publicação de uma História de Pernambuco completa, em fascículos. Membro da comissão estadual para as comemorações do bicentenário da Revolução de 1817, coordenou para o Diario a série Pernambuco, História & Personagens.