O desafio da educação em um novo idioma

Publicação: 01/06/2019 03:00

Quando chegou para o primeiro dia de aula na Creche Escola Municipal Ana Rosa Falcão de Carvalho, em Santo Amaro, área central do Recife, a venezuelana Milagro Jimenez, 3 anos, encontrou uma turma de crianças brasileiras tão insegura quanto ela. Era o primeiro contato com aquele universo para muitas delas. Depois de ter feito o maternal em Puerto la Cruz, cidade a 324 quilômetros da capital da Venezuela, a menina precisou deixar a irmã mais velha, avós e primos no país de origem e migrar com a mãe e o pai para o Brasil. Viveu por alguns meses em Boa Vista (RR) até viajar para o Recife, onde a família se estabeleceu. Para os colegas de classe, Milagro não é uma migrante, mas criança como todas as outras. A adaptação escolar, segundo a mãe, a técnica em manutenção mecânica petroleira, Luciarlys Medina, 36, foi rápida. A menina já fala “oxe” e estimula os pais a aprenderem novas palavras e expressões regionais.

As crianças migrantes e refugiadas com idade escolar em todo o mundo poderiam preencher meio milhão de salas de aula. O dado, do relatório “Migração, deslocamento e educação: construir pontes, não muros”, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), de 2018, mostra que o número de crianças com esse perfil aumentou 26% desde 2000. Como em todo o planeta, as redes públicas de educação municipais e estadual de Pernambuco precisam encarar o desafio de incluir estudantes vindos de contextos diversos e falando idiomas diferentes. No Recife, 26 crianças estrangeiras estão matriculadas em creches e escolas. Dessas, 14 são venezuelanas. Em Igarassu, são 27 venezuelanos estudando na rede municipal.

As cidades pernambucanas, pela ausência de histórico semelhante nos anos e décadas passadas, têm criado políticas específicas para a educação de crianças migrantes recentemente. “Tenho mais de 30 anos de experiência em educação, mas 2019 foi o primeiro ano que recebi alunos migrantes. São sete venezuelanos na escola. Tem sido um desafio grande para a gestão, pois a barreira do idioma, principalmente para a comunicação com os pais, foi enorme no começo. No entanto, o mais importante tem sido alcançado. São pais e mães muito participativos e interessados na vida escolar dos filhos”, afirma a gestora da Creche Escola Municipal Ana Rosa Falcão de Carvalho.

As gestões públicas das cidades pernambucanas podem se espelhar em modelos internacionais de inclusão de migrantes e pessoas deslocadas na educação. A Colômbia, por exemplo, usou um marco legal para proteger a educação das populações deslocadas internamente. Em 2002, o Tribunal Constitucional do país instruiu as autoridades municipais de educação a tratar as crianças deslocadas de maneira preferencial em termos de acesso à educação.

Outros países latino-americanos, incluindo Brasil e Trinidad e Tobago, trataram recentemente das consequências educacionais do crescimento do deslocamento de pessoas entre fronteiras, o mais rápido na história da América Latina, acolhendo estudantes venezuelanos para que eles frequentem as mesmas escolas que os estudantes nascidos nos países. Algumas cidades também exercem um papel de liderança na promoção da inclusão e da educação contra a xenofobia. Em São Paulo, foi lançada uma campanha de conscientização e criado o Conselho Municipal para Migrantes.

“Um grande entrave no Brasil é que a realidade de inclusão é diferente entre as redes. São Paulo e Paraná são exemplos de avanços nesse sentido. No entanto, a ausência de uma norma nacional dificulta muito. A Defensoria Pública da União recomendou que o Conselho Nacional de Educação (CNE) faça uma normatização para todo o país sobre o assunto, dispensando, por exemplo, a necessidade do histórico escolar; fazendo a inclusão imediata das crianças e dos adolescentes sem documentos e avaliando a equivalência dos estudantes para que eles não tenham que esperar o início de um semestre ou ano letivo para ser matriculado”, ressalta o defensor público federal João Chaves, coordenador de Migrações e Refúgio da Defensoria Pública da União em São Paulo.

Na avaliação da mãe de Milagro, a rede municipal do Recife recebeu com rapidez as crianças venezuelanas. “Chegamos à cidade em dezembro. Em fevereiro, ela já estava estudando. A socialização dela, que tem colegas venezuelanos, foi muito boa”, conta Luciarlys. Ela e outros pais venezuelanos da escola comunicam-se para diminuir as barreiras linguísticas e culturais. “Juntos, nos fortalecemos pelos nossos filhos”, enfatiza a dona de casa Onexi del Valle, 33, mãe de Marianny, 4, que também estuda na Ana Rosa Falcão. “Temos recebido uma boa assistência em termos de educação e saúde, mas ainda precisamos de oportunidades para trabalhar”, completa Sordis Caraballo, 25, pai de Angelys, 4 anos.